Exercícios de Português
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO - 01
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O ATO GRATUITO
Muitas vezes o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito, se tem causas, são desconhecidas. E se tem conseqüências, são imprevisíveis.
O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e ônibus, pela nossa vida diária enfim - que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço.
Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens branquíssimas, estava eu escrevendo a máquina - quando alguma coisa em mim aconteceu.
Era o profundo cansaço da luta.
E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordara. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar idéias de mim mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava - precisava com urgência - de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu secretamente era. E necessitava de um ato pelo qual eu não precisava pagar. Não digo pagar com dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver.
Então minha própria sede guiou-me. Eram 2 horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: "Vamos ao Jardim Botânico." "Que rua?", perguntou ele. "O senhor não está entendendo", expliquei-lhe; "não quero ir ao bairro e sim ao Jardim do bairro." Não sei por que olhou-me.
Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortíssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse no rosto grato, de olhos entrefechados de felicidade.
Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só pra olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver.
Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, ao ar, à vida, tudo ser erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.
O mistério rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvore de tronco nodoso e escuro, tão largo que me seria impossível abraçá-lo. Por dentro dessa madeira de rocha, através de raízes pesadas e duras como garras - como é que corria a seiva, essa coisa quase intangível e que é vida? Havia seiva em tudo como há sangue em nosso corpo.
De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom - como um estremecimento apenas perceptível de alma - um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.
Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhe-me toda. Sem me incomodar: esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim.
O chão estava às vezes coberto de bolinhas de aroeira, daquelas que caem em abundância nas calçadas de nossas infâncias e que pisamos, não sei por que, com enorme prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom.
Estava um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco
Voltarei num dia de muita chuva - só para ver o gotejante jardim submerso.
(Clarice Lispector, Jornal do Brasil)
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EXERCÍCIOS
1- Assinale a frase que enfoca o assunto principal da crônica:
a) A autora deu um passeio pelo Jardim Botânico do Rio.
b) O calor, a sede e o cansaço no verão carioca, levam as pessoas aos recantos verdes e amenos da cidade.
c) A vida em apartamento é monótona e cansativa.
d) A cronista se desligou da rotina diária para satisfazer a um impulso de liberdade que nela despertara.
2- Indique o que no texto tem mais destaque e importância:
a) O ambiente, os lugares onde a personagem vive.
b) A personagem (a própria autora) e suas sensações e reações nos ambientes onde ele se encontra.
3- No texto, "ato gratuito" significa:
a) Um ato que liberta da espécie de escravidão a que nos sujeita a cotidiana luta pela vida.
b) Um ato de generosidade.
c) Um bom serviço que prestamos de graça a alguém.
4- Na primeira frase do texto, a autora quis dizer que a improvisação de um ato gratuito muitas vezes a salvou:
a) da morte.
b) de uma situação difícil ou angustiante.
c) da rotina, da cansativa luta diária, que acaba materializando as pessoas, tornando-as insensíveis às belezas e mistérios do mundo em que vivem.
5- "E percebia que estava sedenta." (5º parágrafo) Sedenta de que?
6- Interprete a frase: "Lá a vida verde era larga." (9º parágrafo)
7- Destaque do 9º parágrafo duas palavras que exprimem idéias opostas:
8- No 10º parágrafo há 5 períodos. Assinale os dois que se relacionam pelo conteúdo comum:
a) 1º a 3º
b) 2º a 3º
c) 1º a 4°
9- No 11º parágrafo, a que "raízes incógnitas" se refere a autora?
10- No penúltimo parágrafo, a cronista afirma que, ao pisar as frutinhas da aroeira, sentia um "misterioso gosto bom", porque:
a) As frutinhas produziam pequenos estalos e isso lhe dava prazer.
b) Essas frutinhas são doces e gostosas.
c) Aquele ato a devolvia à infância, lembrando-lhe os dias felizes do passado.
GABARITO
PORTUGUÊS - INTERPRETAÇÃO DE TEXTO - 01
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